Music at the Bayou

Vamos voltar para a estrada. O caminho é Route 61 em direção sul, rumo a Louisiana. Bayou, para quem não sabe, são regiões pantanosas, um braço de rio com águas praticamente paradas, na região sudeste dos EUA, especialmente próximo ao Mississipi, associada à cultura Cajun e Creole. Não é contínuo, mas a região dos Everglades na Flórida também pode receber este nome. Mas vou falar especialmente da Louisiana e New Orleans.

Numa época muito próxima de surgimento do Blues no Mississipi, nesta região logo abaixo do Estado do Mississipi, seguindo o curso do rio, apareceram ritmos baseados em pentatônicas e blue notes na região de New Orleans. Com as poucas oportunidades devido à segregação, alguns negros, especialmente pianistas, tocavam em bares e bordéis. Próximo de 1900 a tendência ali com estes músicos era o Ragtime, sendo que um deles se tornou bastante popular até hoje, chamava-se Scott Joplin.

A música em New Orleans se desenvolveu de forma diferente em relação à do Mississipi. Também derivou dos ritmos africanos dos escravos e seus sistemas tonais de pentatônicas, com influências dos hinos das igrejas, misturado com a música europeia. Por ter se desenvolvido em área mais urbana, especialmente na região do meretrício, o piano foi bastante marcante, mas também importantes foram as bandas de marchas e as bandas que acompanhavam funerais, que executavam bastante com instrumentos de sopro. Já no século XIX os negros se interessavam a aprender a tocar instrumentos para entreter as pessoas, aumentando seu valor (aos que ainda eram escravos). A palavra “jazz” apareceu como uma gíria da costa Oeste para se referir a um tipo de música de Chicago, mas esta mesma música já era tocada há mais tempo em New Orleans. Tinha uma instrumentação mais complexa, utilizando também bastante as escalas europeias e com tambores. Havia uma alta demanda para músicos em New Orleans, já que em todos eventos se contratava uma banda, desde nascimentos até funerais. Assim ser músico ali era uma opção lucrativa e levou a um rápido desenvolvimento do jazz. Em New Orleans nesta época do início do jazz se tornou necessário que uma mesma pessoa tocasse mais de um instrumento de percussão, foi quando apareceu os kits de bateria, fato que se deve ao jazz.

Uma área o crescimento e desenvolvimento do jazz foi muito acentuado foi Storyville. Era a região de New Orleans onde havia jogo, bebidas em abundância e muita prostituição. Muitos bordéis contratavam pianistas ou pequenas bandas para tocar e entreter os visitantes.

O Jazz ao redor da década de 20 era considerado imoral, algo sensual e irritante. Nesta época surgiu um negro cantor e trompetista, natural de New Orleans mesmo, apelidado de Satchmo ou Pops, que revolucionou e marcou a música. Seu nome era Louis Daniel Armstrong, considerado o maior de todos os músicos de jazz, somente Charlie Parker se aproxima em influência na história do jazz. Teve uma infância sofrida, abandonado pelo pai e a mãe precisando se prostituir para a sobrevivência de ambos. Nos bordéis que Pops aprendeu música e começou sua carreira. Tinha uma voz bastante grave, extraordinária presença de palco e carisma, além de habilidade com o trompete. Amadureceu muito de sua técnica e estilo nos “riverboats”, barcos que transitavam no Rio Mississipi. Na zona da prostituição da cidade, a Storyville, conheceu grandes nomes daquilo que viria a ser o jazz, como Sidney Bechet e Joe Lindsay. Quando a “zona de má reputação” foi fechada pela Marinha americana, todos eles se mudaram para Chicago à procura de emprego. Em Chicago inclusive começou a tocar no café Sunset para Joe Glaser, um associado de Al Capone. Após muitos anos na estrada, ele fez residência em Queens, New York, em 1943 com a sua quarta mulher, Lucille. Em New York chegou a gravar vários Blues, com Bessie Smith e Clarence Williams. Sua casa foi transformada em museu, fica fora da ilha de Manhattan, no Queens, próximo ao aeroporto de LaGuardia.

New Orleans é um importante destino turístico americano, apesar de não ser tão famoso entre os brasileiros. Por ficar bem ao sul, junto ao Golfo do México, é bastante quente e úmida e exposta a furacões. Em agosto de 2005 a cidade foi praticamente varrida pelo furacão Katrina e ainda hoje a cidade está se reerguendo. Foi fundada pelos franceses, que chamaram de Nouvelle Orléans, razão pela qual há uma mistura da língua e cultura francesa nesta região (existem placas de ruas em francês e inglês em muitos locais turísticos). Foi um local onde os franceses e espanhóis foram donos até a venda definitiva aos Estados Unidos. Diga-se de passagem, há uma mistura de culturas, culinárias e arquiteturas espanhola, francesa, creole e americana. A área turística mais famosa ali é o chamado French Quarter (também chamada de Vieux Carré), um bairro junto ao Rio Mississipi, sendo a região mais antiga da cidade. A rua mais famosa dali é a Bourbon Street (Rue Bourbon), repleta de bares e locais de música ao vivo, como o Pat O’Brien’s Bar, o primeiro a ter um piano bar de duelos musicais ou o Bourbon Street Blues Company, para quem quer ver um bom blues ao vivo. Próximo dali há também o House of Blues, local que músicos como Eric Clapton inclui em suas turnês mundiais. No Preservation Hall se pode ouvir uma excelente banda tocar o jazz tradicional de New Orleans, mas quem quer conhecer tem que chegar cedo e enfrentar uma boa fila para poder entrar a qualquer dia. Ali também tem bons restaurantes, um aquário muito grande e bacana, passeios de barco pelo Mississipi, além de “inferninhos” com table dance e muita bebida. No French Quarter é permitido beber na rua, que durante a noite muitas de suas ruas são fechadas para se caminhar livremente. Andar por essas ruas, além da bebida em abundância, é uma experiência musical interessantíssima. Além da música ao vivo dentro de cada bar, restaurante e inferninhos, bandas e músicos se apresentam em cada canto, muitos conseguem entreter a ponto de formarem círculos a suas voltas. Numa caminhada se encontra guitarristas, cellistas, trompetistas, bandas de sopros, violinistas, saxofonistas com facilidade em cada canto, sendo que raramente se vê um músico que não seja interessante. Um grande guitarrista uma vez disse que quando a pessoa se convence que estudou bastante, adquiriu domínio e já toca bem, dispensando muitos estudos dali para frente, passear por lá transforma essa sensação e mostra que ainda falta bastante para que se toque bem como o pessoal daquela área.

Recentemente Eric Clapton se juntou a um grande músico de New Orleans, Wynton Marsalis e sua banda, para gravarem um álbum ao vivo ao estilo da música de New Orleans. Este estilo e instrumentação se ouve muito por lá ainda nos dias de hoje.

Se alguém se interessou a fazer essa viagem, seja conhecer de New Orleans até Memphis, passando pelo Mississipi ou fazer parte dela… Fazer toda esta viagem tem uma longa estrada para se dirigir, numa área bastante rural e diferente do que costumamos ver em viagens pelos Estados Unidos. A grande sacada é que em New Orleans existe um reembolso da “tax” para os turistas estrangeiros em algumas lojas listadas no site http://www.louisianataxfree.com/ , ou seja, uma economia de uns 9% nas compras. Tem desde supermercados até Guitar Center, Best Buy, Samash etc. Acaba sendo uma opção econômica para se fazer compras, especialmente para quem quiser viajar com esposas e namoradas loucas para mergulhar nos shoppings americanos. E se for fazer estas compras, é bom que se pense em deixar New Orleans para o fim.

#5 — The Rolling Stones — Voodoo Lounge

The Rolling Stones -- Voodoo Lounge (1994)

The Rolling Stones -- Voodoo Lounge (1994)

What are you scared of, baby? It’s more than just a dream

Se você fosse membro da maior banda para o qual foi cunhado o bordão “sexo, drogas e rock and roll” e tivesse que se reinventar trinta anos depois de sua estreia no Olimpo do Rock and Roll, o que você faria?

Por idos de 1993 essa provavelmente era a grande pergunta que rondava a cabeça dos quatro membros remanescentes da formação original dos Rolling Stones. A resposta do Bill Wyman para essa pergunta foi abandonar a banda e se dedicar a seu pub em Londres, o Sticky Fingers.

Sticky Fingers Pub

Para Mick Jagger, Keith Richards e Charlie Watts o a resposta foi se picar pra Irlanda e passar uns tempos na casa do seu ilustre amigo e guitarrista contratado da banda, Ron Wood. Lá eles começaram a compor e gravar algumas músicas e chamaram o Don Was para coproduzir e uma das escolhas mais acertadas da história da banda para assumir o baixo, afinal Darryl Jones, um baixista que tinha no currículos trabalhos tão diversos quanto Madona, Sting, Mike Stern e Miles Davis, isso tudo com uma presença de palco que é um groove só, sem dúvida era o substituto mais que perfeito para o Bill Wyman.

Pouco depois do inicio dos ensaios e gravações das músicas na casa do Ronnie Wood, eles se transferiram para o Windmill Lane Studios, em Dublin e depois para um estúdio em Los Angeles onde finalizaram o disco, o primeiro em cinco anos.

O álbum, lançado em Julho de 1994, trouxe uma resposta muito simples para a pergunta inicial desse post: use os mesmos elementos de sempre para se reinventar – e com a ajuda de um gato de rua chamado Voodoo (adotado pelo Keith durante as férias em Barbados), que gostava de ficar numa varanda em frente a praia (Voodoo’s Lounge), chegou ao mundo o que é um dos álbuns mais interessantes da carreira da banda e ao menos pra mim o melhor álbum que a banda lançou após os anos 70, o Voodoo Lounge.

O álbum traz de volta a mistura de Rock, Country e Rhythm and Blues que haviam se tornado a marca dos Stones nos anos 60 e 70, se distanciando das misturas com diversos outros estilos que permearam a discografia da banda a partir de 1978. Essas misturas, embora interessantes, não entraram no disco por influência do Don Was, e o resultado final é não só 100% Rolling Stones na sua melhor performance, mas totalmente “It’s Only Rock and Roll, but I like it”.

Pra mim esse é um dos álbuns mais especiais que ouvi, é um puta álbum de guitarras, praticamente dá pra contar a história do instrumento por esse álbum, que é totalmente recheado de sons e timbres marcantes. Stratos, Teles, 335s, Lespas, Fender, Vox, Marshall, Mesa/Boogie, pode procurar que você encontra tudo nesse álbum que é quase uma ode aos timbres matadores de Classic Rock.

Logo de cara, o álbum começa com Love is Strong e seu riff tocado uma Telecaster, Vox AC30, sendo constantemente complementada pelo som de uma Strato do Ronnie (provavelmente uma das Stratos 1955 que ele tanto adora) e eventualmente por uma segunda Telecaster (que creio seja o Ronnie tocando), ambas nitidamente plugadas no Fender ’57 Twin que sempre acompanha essas guitarras no set dele.

Em seguida vem You Got Me Rocking que mostra quem foi quem fez o Voodoo pra ressuscitar a Les Paul dos mortos e transformou essa guitarra fora de linha em uma lenda, influenciando muitos de seus amigos a adotar o modelo, e falamos de caras como: Clapton, Page, Jeff Beck, Mick Taylor, Peter Green, Billy Gibbons, Mike Bloonfield, etc. A música embora seja bem simples, é ao mesmo tempo bem complexa, já que é se prestar muita atenção vai ouvir 5 guitarras e pelo menos 1 violão durante a música, em geral são partes dobradas em uníssono e com volumes bem distribuídos na mix, mas é um desafio e tanto tentar adivinhar. Aqui vão alguns dos meus palpites.

A música abre com o Keith tocando com uma Telecaster (que toca todas as guitarras normais da música, inclusive o solo), que logo em seguida é dobrada por um dos sons de guitarra mais gordos que já ouvi na vida, a guitarra é tocada com um puta fuzz bem gordo e os médios scooped (outro gear popularizado por ele) e as duas ficam se alternando na mix, eventualmente e fundindo em um som só. E pra cagar tudo ele ainda toca numa guitarra dobro elétrica que fica o tempo todo no fundo tocando uns sons percussivos e que é de deixar um doido. E o cara ainda encontra lugar na música pra dobrar a maior parte da base em dois violões um de 6 e um de 12 cordas.

Não sei precisar os amps usados porque realmente as guitarras são tão entrelaçadas, que é difícil de distinguir 100% os sons, mas tenho quase certeza ali tem um Mesa/Boogie Mark II que o Keith usava muito naquela época pra acompanhar o Ronnie nos sons mais distorcidos, a menos que algum dia ele fale que gear usou, nunca vou ter certeza, mas a julgar pelo som que ele tirava em alguns shows solo dele com o Boogie, é esse o amp. Já a Tele creio que está plugada num Fender provavelmente os Twin 1957 que ele tanto adora.

Logo em seguida o Ron começa a complementar os riffs do Keith com uma Les Paul sendo tocada com slide com aquele som roucão, bem mid-scooped mesmo, creio que seja a mesma Zemaitis Disk Face (DF501) que ele usava ao vivo, já na música a guitarra tem o som característico da Zemaitis que é toda de mogno. O som dos slides é o tempo todo tocado com aquele som clássico de 6V6 que tanto fez a fama da Bonnie Raitt, não sei precisar que amp é, mas aquele som me lembra muito o som duma 6V6.

O Keith usa novamente um som de humbucker, creio que uma Les Paul, pro solo sem slide, com o som bem rasgadão, essa eu creio que seja uma Gibson, não tem pra onde, nessa música é pauleira pra tudo que é lado e uma das grandes surpresas é o Keith tocando com um Marshall bem modernoso a la hard rock style, literalmente arrotando harmônicos pra tudo que é lado, digo que isso é uma supresa porque desde quase sempre ele usa Fenders diversos para um crunch mais leve e naquela época usava um Mesa/Boogie fazendo par com os do Ronnie pros sons mais distorcidos, então ver ele com som de Marshall é deveras interessante.

A terceira música do disco, Sparks Will Fly, é muito embalada, dá vontade de dançar o tempo todo e foram raras as vezes que tu se viu na história do Rock and Roll duas guitarras fazendo riffs entrelaçados tão bem que parecem até uma guitarra só. Aqui novamente vem a dupla Fender e Vox com Strato e Tele. Aliás essa é a combinação mais comum do disco, embora variem as Teles, as Stratos e os amps Fender.

Eventualmente aparece uma Les Paul Jr dobrando a Tele do Keith, algo bem sutil, mas está lá. Um detalhe importante é que em vários momentos da música as guitarras se calam e deixam o Charlie e o Daryl Jones viajarem no groove, mostrando porque uma cozinha toda redondinha é um elemento essencial não só pra esta, mas pra qualquer banda, afinal os caras seguram e comandam a musica o tempo todo, deixando Keith e Ron livres pra brincar a vontade com as guitarras e dando suporte ao Jagger na hora de usar todo o poder de sua voz, e no caso dos shows do seu rebolado, pra eletrizar o ouvinte. Enfim, impossível ficar parado ouvindo essa música.

Um negócio engraçado dessa música é que embora a composição dela tenha sido com Keith com o Mick, ela começou como um projeto do Keith e do Charlie, o Keith teve a idéia no jardim da casa do Ronnie Wood enquanto via faíscas voando de uma fogueira, então, e correu pro estúdio onde o Charlie ouvia algumas das gravações do dia, o Keith então disse pra ele sentar na bateria e eles passaram um tempão até acertar o ritmo da música e só então eles mostraram o que tinham pro Jagger e assim começar a composição da letra.

Ronnie Wood, Mick Jagger, Keith Richards e Darryl Jones – Voodoo Lounge Tour

Depois de um início eletrizante, claramente pensado como números dentro de um show (que por sinal foi tocada na mesma ordem nos shows do Brasil). Vem uma sequência de baladas acústicas, que começa com The Worst, passa por New Faces, Moon is Up e finaliza com Out of Tears. Aqui aparecem outras influências muito fortes da banda, baladas e musicas lentas com influências do Country, Soul e Rhythm and Blues, com direito a todos os truques clássicos desses estilos.

The Worst, uma balada country meio influenciada pela musica folk irlandesa, é um fenômeno por si só, afinal Keith Richards é o único cara do mundo que faz uma balada romântica falando que é um cafajeste tão grande que sem dúvida é o pior cara do mundo pra uma mulher escolher. O destaque vai pra o uso dos violões, sempre se complementando e as vezes soando como um só, e o tempo todo o Ron Wood toca slides lindos numa Pedal Steel, com aquele velho som de gato miando que tanto irritava o John Lee Hooker. O efeito geral da música é muito bonito, visto que a sutileza e leveza dos violões e da steel guitar contrastam muito com a voz grave de um bêbado quase apagando e divagando em meio a delírios ébrios. Um detalhe que quase passa desapercebido é o leve tremolo/vibrato em algumas das passagens de steel guitar. Não esqueçam do belíssimo solo de Fiddle, um violino com som de rabeca muito usado em Country.

New Faces é uma belíssima balada country com uns toques de madrigal e que conta com um set up bem comum nas músicas acústicas da banda que é a presença de 3 ou 4 violões sendo sempre um jumbo de 12 cordas, um Dreadnaught (folk) de 6 cordas e um advanced jumbo em Nashville Tuning (em geral um Gibson The Dove ou Hummingbird tocado pelo Jagger), essa afinação é feita com um violão de 6 cordas usando somente as cordas oitavadas de um jogo de 12 cordas, esse violão em nashville tunning fica o tempo todo se entreçando com um som de cravo.

Anos mais tarde o Keith passou a usar um violão de 10 cordas tamanho concert auditorium (o mesmo dos Martin OOO), nessa musica e em Wild Horses pra simular esses efeitos que eles criam com Nashville Tunning. O que é engraçado que esse som do violão de 10 é totalmente som de viola caipira. Antes que eu me esqueça, o Ronnie não gravou nada em New Faces.

The Moon Is Up é uma balada Rythm and Blues que soa o tempo inteiro como uma releitura modernosa das baladas do Chuck Berry dos anos 50 misturada com muitos elementos das musicas dos Stones nos anos 70, coisas que lembram bastante os tempos que vão do Some Girls ao Tatoo You, como as guitarras recheadas de delays, flangers, phasers e uma pedal steel com wah wah que é literalmente um gato miando e morrendo afogado… hehehehhe.

É a música do disco em que é mais difícil de identificar que guitarras foram usadas, de tão fortes que são as modulações nessa música e mesmo a bateria soa estranha, até que uma hora nas madrugadas internéticas encontro uma entrevista do Keith e do Charlie em que ele diz que na verdade não tem guitarra na música, o tempo todo é o violão, que nas partes com modulações é tocado plugado numa Leslie que ele ficava o tempo todo alterando a velocidade pra criar efeitos estranhos enquanto o Ronnie tocava lap steel e o Charlie tocava nas latas de lixo da casa do Ronnie no corredor das escadas. Totalmente maluca a música.

Out Of Tears é outra balada country com alguns toques de rhythm and blues e soul em seus primórdios, coisa do final dos anos 50 e inicio dos anos 60, que muito influenciaram musicas como Time Is On My Side, entre outras músicas do começo da banda.

O destaque da música são os sons limpos usados pelo Keith nitidamente uma Tele plugada em um ’57 Twin amp com um leve delay, na turnê do disco ele usava uma Tom Anderson Cobra cinza transparente ou uma Drop T Azul escuro, mas não sei dizer se é a guitarra usada no disco. O som de slide do Ron Wood também merece um puta destaque e a julgar pelo som que ele produz é uma das Fender Stratocaster 1954 que o Ron Wood tem em sua coleção, essas guitarras tem um som muito característico por usarem imãs de Alnico III, ao invés do Alnico V normal nos captadores para Strato, ao fundo dá pra ouvir uma dobra dessa guitarra com o som da Zemaitis, que fica em um lugar levemente diferente no pan. Outro destaque é o som do Jagger ao violão, que embora discreto na maior parte da música é bem legalzinho e juro que ele toca violão com uma pegada melhor que a minha hehehehe.

Em seguida o disco vai alternando ritmos, alternando musicas mais embaladas com baladas, a exceção é a seqüência I Go Wild e Brand New Car, que são mais rock and roll.

I Go Wild é o tipo rockão dos Stones, bem a la Start Me Up e outras musicas do gênero, tem timbres maravilhosos Tele e Strato plugadas em amps Fender e se entrelaçando nos riffs, Keith e Jagger parecem mais uma locomotiva bem azeitada. Com a Tele do Keith sendo alternada por uma Kramer vermelha bem distorcida tocada pelo Mick Jagger. Por trás disso tudo fica o Ronnie com sua Strato plugada no Mesa/Boogie, fazendo perfumaria a maior parte da música e aparecendo pra valer nos solos. Existe um outro  som na hora dos solos que dá a impressão de serem humbuckers, provavelmente uma dobra feita com a Kramer, mas várias vezes durante a música ela se faz presente e só pra atiçar nosso apetite por timbres. A música é um hit nos shows, com todo mundo imitando o Jagger no refrão.

Novamente voltamos aos tempos do Undercover/Dirt Work, com um daqueles Blueszões lentos com alguns elementos de R&B que nos fazem lembrar porque os Stones são uma influência seminal para bandas de boogie rock como o ZZ Top. O tempo todo a música é tocada com uma Tele com wah, que é um dos usos de wah mais legais que eu já ouvi na vida e que é tocada pelo Keith. Junto vem e aquele sonzinho de sino que só uma Tele plugada em um Fender com um leve vibrato, tocada pelo Jagger e , sobrando pro Keith fazer também os solos da música. Enfim uma daquelas músicas bem básicas mas que é quase impossível sem bater o pé e pra quem toca guitarra, fica impossível não prestar atenção nas guitarras ultra hiper mega bem timbradas de forma a se complementarem dentro da mix. Outro plus da música é que quem toca baixo é o próprio Keith e essa não tem participação do Ronnie também.

Em seguida vem uma das musicas que mais gosto no disco, a balada meio embaladinha Sweethearts Together. Keith faz tantas variações rítmicas num dos violões que não sei nem definir que diabo de ritmo é esse, mas muito bom de ouvir, o Jagger complementa os sons acústicos. A música tem muitas guitarras, um delas certamente é uma tele plugada no canal Tremolo de um Vox AC-30 com o efeito bem lentinho. Outras guitarras que constantemente aparecem são uma Pedal Steel e uma Lap Steel tocadas pelo Ronnie, que ficam aparecendo e desaparecendo na mix, e vez por outra confunde a gente mudando de lado no pan. Tem também uma outra guitarra sendo tocada o tempo todo limpa, essa tenho praticamente certeza que é uma Strato também tocada pelo Keith. Fora esse Vox e um Fender Twin no som da Strato, os outros amps soam todos com som de 6V6, provavelmente o mesmo amp pequeno que o Ronnie usou pra gravar slides praticamente o disco inteiro e que creio que um Fender Champ. E são tantas camadas de sons nessa música que eu fico maravilhado como eles conseguem por tanta coisa, de uma forma que nos sabemos como é complexo mixar isso, mas que ouvindo é uma singeleza e de uma perfeição tão grande que a reação instintiva é deixar a música repetindo o tempo todo até abusar.

Suck on the Jugular novamente voltamos aos Stones dos anos 80, coisas como Undercover of the Night e Harlen Shuffle. Com uma levada em algum lugar entre o R&B e o Soul com um puta som de pop dos anos 80. Com Stratos e Teles bem estaladas tocando bases e riffs bem suingados e um wah wah daqueles bem escrachados o tempo todo aparecendo, sumindo e voltando quando você menos espera. Dá pra perceber bem as 3 guitarras da música, com o Jagger fazendo os ritmos mais básicos e o Keith os mais complexos, enquanto o Ronnie brinca de solar e ficar fazendo efeitos com o wah. O destaque fica por um crunch de P-90s que vez por outra aparece também e que é um tesão com aquele rosnado típico desse tipo de captador. Destaque fica por conta do baixo do Darryl Jones, que faz e acontece com aquele som gordão, quase que como um trovão e que desconfio que saia de um Music Man Sting Ray e não do Jazz Bass que ele usa geralmente.

Blinded By Rainbows é uma das baladas mais lindas dos Stones, pra mim poucas vezes um conjunto de produtores (Glimmer Twins e Don Was) tiveram uma sensibilidade tão grande pra definir exatamente o que uma música precisa. Desde o início com um leve vibrato que acredito seja um Deluxe Reverb, bem leve, sutil e com a profundidade certa para fazer a Stratocaster do Mick Jagger soar praticamente como um som saído do outro lado do arco-iris. Ao mesmo tempo novamente se tem a Nashville tunning aparecendo nos violões do Keith, que faz algumas aparições apenas durante a musica e se cala dando lugar para outros violões, o mais fácil de notar é um 12 cordas, que pelos agudos creio que seja um de corpo pequeno, como um Martin OO-28 ou um OOO-28, mas aqui e aí há um 6 cordas preenchendo o som e aparecendo meio disfarçado, e é lindo ouvir como vez por outra o som do violão de 12 cordas se entrelaça com o som do cravo, formando um som totalmente novo. Na hora do solo novamente strato com aquela distorção clássica de Mesa/Boogie Mark series que virou o som assinatura dos solos do Ronnie Wood.

A antepenúltima música do disco é Baby Break It Down e novamente traz um som de Strato e um de Tele, mas ambas tocadas pelo Keith no que acredito ser novamente um Fender Twin e um AC-30. São dois dos sons mais gostosos de se ouvir do disco inteiro, sabe se algum dia eu tivesse que escolher uma música que definisse esses quatro equips, provavelmente essa entrava fácil no topo da lista. Vale a pena também prestar atenção no Ronnie tocando Pedal Steel, que faz um trabalho tão bom, que em alguns momentos eu pensei que tinha um dobro elétrico no meio.

Thru and Thru é uma das musicas mais surpreendentes do disco, no começo é quase um lamento bêbado (literalmente, já que o Keith gravou ela vindo de uma noitada… heheheh), ele toca todas as guitarras, esse som perfeitão e cheio de guitarra limpa, mas com aquele toquezinho de crunch nas palhetadas fortes e a segunda guitarras bem distorcidas. Aqui novamente vem a combinação Strato e Tele em diversas linhas diferentes, mas dessa vez todas plugadas nos Fender, talvez uma das guitarras tivesse em outro amp, a que tem o som mais distorcido, mas ao menos a primeira vista pra mim essa distorção é de pedal. Uma coisa interessante da música é que o Keith faz uma homenagem ao Pierre de Beauport, o técnico de guitarras dele desde meados dos anos 80. Ele quem toca os violões na música e ele quem estava com o Keith no carro quando ele teve a idéia e comandou o estúdio na gravação, teve a participação do Keith gravada em primeiro take. Na gravação da participação outros instrumentos do arranjo (Keith no piano, Darryl Jones no baixo, o Pierre nos violões e os backing vocals) já que só quem estava na primeira sessão era Keith, Pierre e o Charlie, o Watts adicionou a percussão com as latas de lixo na escadaria da casa do Ronnie, à bateria que ele havia gravado no primeiro take do Richards.

Por fim e não menos importante vem uma das perolas mais legais do disco, o Rockabilly endiabrado de Mean Disposition, essa guitarra é uma prova que o Keith aprender tudo que ainda não sabia de rockabilly durante aquela gravação com o Chuck Berry (o vídeo que o velho dá uns esporros nele por tocar fora do tempo). Além do Ronnie e do Keith estarem endiabrados com suas guitarras icônicas (Micawber e Strat ’55), o Keith faz solos tão endiabrados que se fosse nos anos 50 era capaz de serem proividos. De longe o melhor final possível para um disco dos Stones.

Antes de me despedir desse post, queria agradecer a paciência de todos, porque eu realmente sumi no ultimo mês e meio, mas começar uma empresa dá muito trabalho e absorve muito o tempo da gente, só que em nenhum momento esqueci o blog e os discos que eu comecei a fazer o review nesse meio tempo são discos deveras importantes pra mim, são discos que realmente moldaram a minha forma de ouvir guitarra porque são discos ao mesmo tempo tão simples e tão ricos em timbres que é impossível não tê-los como uma aula, seja de musicalidade, seja de bom gosto.

I hope you’ve enjoyed the ride.

Que a Força esteja com vocês!

nichendrix

The Road to Memphis

De volta à estrada, pessoal! Até nos acomodarmos, vale uma explicação. Nossa principal referência de estrada é a famosa Route 61. Talvez seja um pouco menos famosa que a Route 66 que corta os EUA de leste a oeste, enquanto a Route 61 vai de norte ao Sul, indo do Golfo do México, mais precisamente New Orleans indo até Wyoming, Minnesota (antigamente ia até o Canadá).

Esta estrada também é chamada de “Great River Road” porque em grande parte do percurso segue o maior rio dos EUA, o Mississipi. Outro nome que recebe é “The Blues Highway” por ter sido o caminho dos pioneiros do Delta Blues, saindo das plantations de algodão e indo em direção norte para locais mais desenvolvidos, como Memphis, St. Louis e em direção à Chicago. A região sul, da Louisiana, é bastante quente e úmida, onde forma o Delta do Mississipi, formando pântanos, com águas quase paradas (bayou). Essa região sul também é frequentemente assolada por furacões, como o Katrina que há pouco tempo arrasou a região de New Orleans. Um pouco acima fica o Estado do Mississipi e onde nasceu o Delta Blues. A região das plantations é uma enorme planície, tanto que entre Clarksdale e Tunica forma a estrada mais reta do mundo, 48 km sem curvas horizontais ou verticais. Só lembrando, supostamente foi nesta estrada, no cruzamento com a Highway 49 que Robert Johnson negociou sua habilidade musical com o tinhoso, como falei anteriormente.

Não há duvidas que essa região de planícies onde se cultivava algodão (até hoje), entre Indianola e Clarksdale ao redor da Route 61 é o berço do blues e de grande parte da música popular, como rock, country e jazz, num som acústico de violões como o Gibson L-1 de Robert Johnson. Mas ali era uma região de trabalho árduo, difícil, pobre e porque não dizer, bastante racista. Certos locais eram fechados aos negros, os ônibus reservavam apenas alguns lugares nos fundos à eles. Vale lembrar que mesmo bem depois, Cassius Clay venceu o Jogos Olímpicos de 1960 e ao retornar para Louisville no Kentucky (mais ao norte, acima de Nashville no Tennessee) foi proibido de comer num restaurante por ser negro, se revoltou jogando sua medalha no rio, depois ficou conhecido como Muhammad Ali. A luta pelos direitos dos negros foi muito difícil nos EUA, culminando com o assassinato em 1968 de Martin Luther King em Memphis.

Como a vida não era fácil naquela região, muitos músicos levaram este novo som para o sul, onde em New Orleans influenciou o nascimento do jazz, para o norte, onde no Tennessee tinha mais rádios e gravadoras em Memphis e em Nashville se estabeleceu o country, mais ao norte para Chicago, para o leste o Alabama e logo depois a Georgia de Ray Charles  e bem no litoral leste deste Estado, em Savannah, onde os primeiros assentadores britânicos se instalaram na colonização americana, também se instalou o maior luthier do mundo atualmente e para onde o amigo Nichendrix (esse é O cara), qualquer dia desses, vai visitar e tomar um café com Robert Benedetto, Cindy Benedetto e Howard Paul para comprar sua obra de arte – uma archtop carved.

Para oeste do Rio Mississipi fica o Texas, onde Blind Lemmon Jefferson foi o pai do Texas Blues, influenciando lendas como BB King, Robert Johnson, T-Bone Walker e Son House. T-Bone Walker marcou o uso da guitarra imitando um saxofone, fato que depois foi aperfeiçoado no som “eletric blues” de Chicago por caras como Muddy Waters ou mesmo o texano Freddy King que também viveu em Chicago. T-Bone levava Blind Lemmon de bar em bar para tocar blues e pegar dicas. Outro que ajudou na formação de T-Bone foi Charlie Christian, que revolucionou e marcou a maneira de tocar guitarra jazz. Dizem, inclusive, que Charlie Christian está para a guitarra jazz assim como T-Bone Walker está para a guitarra blues, sendo que ambos tocaram juntos em 1933 (Barney Kessel gravou um duelo de guitarras no disco de estréia de T-Bone).

Na região de Austin no final dos anos 60 e início dos anos 70 apareceram, sob essa influência de blues marcado bastante com guitarras, Johnny Winter e Jimmy Vaughan, que nos anos 80 teve a companhia de seu virtuoso e inesquecível irmão Steve Ray Vaughan. Outro grande grupo texano é o ZZ Top, do guitarrista Billy Gibbons, nome sempre lembrado no Mississipi pelas ajudas à memória do Delta Blues. Ainda garoto, ao ouvir a técnica de harmônicos de Billy Gibbons, um jovem chamado Zakk Wylde pirou e resolveu estudar para dominar essa técnica. Por conta disso acabou levando a maneira de tocar guitarras usando harmônicos para outro nível. O Texas também é um local interessante para se visitar, especialmente cidades como Houston, Dallas, Austin e San Antonio (que é bem bonita), mas isso é outra viagem.

Mas vamos voltar ao Mississipi, em Clarksdale. Um dos grandes filhos desse local é Ike Turner. Bem em frente ao Delta Blues Museum existe uma placa em homenagem a ele. Apesar de ser um pouco controverso, muitos creditam a Ike Turner a gravação do primeiro Rock’n Roll, “Rocket 88”.

Ali da região onde é o berço do blues, indo em direção ao norte e virando para a direita rumo ao leste, vamos chegar numa região mais montanhosa do Estado, numa cidadezinha chamada Tupelo. Em 8 de janeiro de 1935 numa minúscula casinha de 2 cômodos nasceu um revolucionário, considerado um rei por muitos, chamado Elvis Presley.

Pouco depois do nascimento de Elvis um furacão destruiu a cidade (não é novidade a Louisiana e o Mississipi serem castigados por furacões), obrigando a união de negros e brancos para a retomada das atividades e reconstrução da cidade, reduzindo o racismo e conflitos raciais. Aos 13 anos de idade Elvis e sua família mudaram para Memphis, onde Elvis fixou residência por toda sua vida.

Ali juntou o R&B dos negros de sua infância e de Beale Street (Memphis) com o country, sendo um dos pioneiros do rockabilly, além de ser mundialmente apelidado de “Rei do Rock”. De qualquer forma, Tupelo e a pequena casa onde nasceu Elvis não chega a ser uma parada obrigatória, poderíamos muito bem seguir rumo ao norte pela Route 61 e ir direto à Memphis…

Memphis é a segunda cidade do Estado do Tennesee, a primeira é Nashville. Ambas rivalizam quanto à grandeza musical, ambas sediam fábricas das guitarras Gibson, mas Nashville que tem o apelido de “Music City”.

A Gibson nasceu como fábrica de mandolins em Kalamazoo, Michigan (no norte dos EUA), pelas mãos de Orville Gibson no fim da década de 1890. Este inventou o violão archtop e nas mãos de Charlie Christian popularizou a guitarra elétrica. Em 1944 passou para as mãos da Chicago Musical Instruments, crescendo bastante. Em 1948 entrou na empresa Ted McCarty, que se tornou presidente em 1950 até 1966, iniciando anos de ouro com o lançamento da Les Paul, da série thinline como a Byrdland, a ES-335 (com bloco central sólido), Explorer, Flying V, Firebird, lançamento da ponte Tune-o-matic, lançamentos dos humbucking PAFs e da SG. Em 1969 a Chicago Musical Instruments foi comprada pela Norlin Inc. iniciando em época de problemas administrativos e queda da qualidade.

Uma das causas da queda de qualidade foi a mudança gradual de 1974 a 1984 da fábrica de Kalamazoo para Nashville, Tennessee por inexperiência dos trabalhadores e por problemas no controle climático, pelo Sul ser bem mais quente e úmido. Atualmente a fábrica de Nashville é a de maior produção, responsável pelas guitarras sólidas. Foram abertas fábricas mais novas, em Memphis, onde se faz as guitarras semi-acústicas, a double neck EDS-1275 e a custom branca, e a fábrica em Bozeman, Montana, para a linha acústica e as guitarras archtop carved.

Para os aficionados, o destino principal é conhecido como Beale Street. É uma rua cheia de bares e restaurantes, onde se encontra boa música ao vivo a toda hora. O primeiro homem a gravar um blues, W. C. Handy, morou nessa rua, onde sua antiga casa é mantida, tendo virado um museu em sua homenagem. Há também uma praça em sua homenagem, W. C. Handy Park, onde junto de uma estátua deste músico existe um pequeno palco, parecido com um “coreto” de praças do interior do Brasil, onde se apresentam bandas e músicos e que quem gosta dá uns trocados. Quase em frente tem um Hard Rock Café e na quadra seguinte tem vários bares, algumas lojas de souvenires e CDs (especialmente de blues) e o B.B. King Blues Club. Essa rua significa muito para B.B. King. Quando saiu definitivamente dos campos de algodão, tocou em Beale Street, ainda usando seu nome Riley B. King. Trabalhou numa rádio ali onde ouvia e tocava blues, começou a ser conhecido como Beale Street Blues Boy, depois abreviado para Blues Boy King e finalmente B. B. King, nome que marcou a história e tornou mundialmente famoso. Em Beale Street fica o FedEx Forum, casa do time de basquete da NBA Memphis Grizzlies. Ao lado do estádio fica o Museu Memphis Rock N’Soul, bastante interessante. Na frente do estádio fica a fábrica da Gibson em Memphis. É a única fábrica da Gibson aberta ao público, com tours para se ver a fabricação e a única loja de fábrica da empresa também. Nesta loja se pode conhecer todos os produtos do conglomerado Gibson, como Epiphone, Kramer, Valley Arts, pianos Baldwin, jukeboxes Wurlitzer, além da linha Custom Shop e acessórios Gibson. Vale muito a pena, é muito legal!

Ao chegar em Memphis, o cenário do Rio Mississipi é bastante marcante, como no filme do U2 Rattle And Hum. No mesmo filme marcaram bastante também a visita à Graceland, propriedade de Elvis.

Graceland fica num subúrbio, um pouco distante do centro de Memphis e Beale Street. É uma casa de campo típica sulista que Elvis comprou aos 22 anos de idade e onde viveu até sua morte. A mansão é aberta para visitação, onde os visitantes recebem um aparelho de áudio com fones de ouvido para ser guiado durante o passeio, sendo que o áudio tem em várias línguas, inclusive Português brasileiro. Dentro da mansão se vê prêmios, instrumentos,  salas onde foram gravados discos e muita coisa pessoal, como materiais de filmes que Elvis atuou. No Jardim da Meditação de Graceland, um dos lugares preferidos de Elvis, estão sepultados hoje Elvis, seu pai, sua mãe e sua avó. Em frente à mansão existem 2 museus, onde se vê os carros de Elvis, algumas roupas, seus aviões (pode-se entrar) e algumas lojas de lembranças, restaurantes e um hotel (Heartbreak Hotel). Passeio imperdível para se passar uma tarde.

Outra parada obrigatória é o Sun Studio, onde existe inclusive um ônibus que liga com Graceland para os turistas. Fica a poucos quilômetros de Beale Street. Ali gravaram B.B. King, Howlin’ Wolf, Johnny Cash, Elvis Presley, Carl Perkins, Roy Orbinson, Jerry Lee Lewis, U2, Def Leppard, Bonnie Raitt, Ringo Star, Hubert Sumlin entre outros, sendo que conta hoje com só uma sala, pois é um local turístico também.

Foi inaugurado por Sam Phillips em 1950, tendo gravado muitos músicos de blues. Em 1951 Ike Turner que tocava na banda “Jackie Brenston and his delta Cats” foram ao Sun fazer uma gravação. Ike Turner foi para lá num conversível e numa das brincadeiras no caminho, o amplificador caiu do carro. Sam Phillips e Ike Turner deram um “jeitinho” na hora de gravar, escorando o falante com jornal. Saiu um som meio “fuzzy”, sendo considerado por alguns como o primeiro rock’n roll gravado na história.

Em 1953 um jovem que trabalhava num caminhão de transportadora foi lá para gravar 2 músicas para sua mãe, seu nome era Elvis Presley. Nesta época, Sam Phillips procurava um branco para expandir a música dos negros, ou como sua secretária disse,  “Over and over I remember Sam saying, ‘If I could find a white man who had the Negro sound and the Negro feel, I could make a billion dollars.'”.

Sam chamou Elvis e dois músicos locais, o guitarrista Scotty Moore e o baixista Bill Black para tentar achar esse branco de alma negra. Na tentativa com Elvis, não estava empolgando, até que já tarde da noite, Elvis pegou seu violão e começou a cantar e dançar “That’s All Right Mama”, que deu uma luz em Sam Phillips, logo percebendo que era exatamente aquilo que procurava. Assim começou a carreira de Elvis, popularizando (e escandalizando) o rock na sociedade americana e mundial. Neste estúdio, num gravador Akai de 12 pistas, o U2 gravou para o álbum “Rattle and Hum” músicas como Angel of Harlem e When Love Comes to Town.

Os amantes da música que leram até aqui com certeza já ouviram gravações do Sun Studios, como Carl Perkins (Blue Suede Shoes), Roy Orbinson, Jerry Lee Lewis e Johnny Cash. Foi no Sun Studio que Johnny Cash usou um papel nas cordas de seu violão para criar um som percussivo.

Hoje o Sun Studio é um local turístico, recebe muitos visitantes todos os dias. Durante o dia e a noite ainda se grava por lá. Quem se interessar, custa 30 dólares gravar 1 música e da segunda em diante 15 dólares, se recebe 1 CD com a gravação.

Vou parando por aqui porque já está bastante grande esta parte. Espero que tenham gostado, eu mesmo me diverti bastante lembrando tudo isso. Agradeço aos que leram até aqui, mas ainda virá mais.

Valeu!

#4 — Pavement — Terror Twilight

Pavement -- Terror Twilight

Cause bad girls are always bad girls

Quando dois seguranças de museu decidem formar uma banda de indie rock, o máximo que poderia acontecer é sair um disco que começa com uma musica chamada Spit On A Stranger.

Eu poderia começar chamando o Terror Twilight de uma das mais adoráveis e interessantes viagens que o Indie Rock produziu nos anos 90 e estender a comparação até um dos discos mais revolucionariamente subestimados da história do rock and roll, o Rubber Soul dos Beatles.

Honey I’m a prize and you’re a catch
and we’re a perfect match,
like two bitter strangers,
— Stephen Makmus

Pra quem não conhece o Pavement, eles foram uma das mais influentes — e virtualmente desconhecida — bandas de indie rock dos anos 90. Os caras nunca chegaram a ficar famosos e sempre se recusaram a assinar contratos com grandes gravadoras. Todavia, foram uma grande influência para uma grande parte das bandas indie dos anos 90; seja do grunge e do punk revival dos EUA ou do Brit Pop no outro lado do Atlântico, muito do que foi feito nos anos 90, de alguma forma tinha influências da cacofonia sonora criada pelo Pavement em álbuns como Slanted and Enchanted; Crooked Rain, Crooked Rain; Wowee Zowee; Brighten the Corners o seu moto final, o Terror Twilight, que encerra a discografia original da banda.

Pavement

Doze anos atrás, quando o disco saiu, eu fiquei tão impressionado com a quantidade de timbres diferentes que esses caras conseguiam tirar um de Fuzz, que pouco tempo depois eu tinha quatro fuzzes no meu set (no caso deles, eles usavam o Big Muff, o Lovetone Meatball e o Z.Vex Fuzz Factory, já eu usava o Boss FZ-3, Dunlop Fuzz Face vermelho, Big Muff e um Fuzz dos anos 70 da Sound/Malagoli). Ninguém conseguia entender porque eu gostava tanto desses pedais, deveras ruidosos e indomáveis, não sabiam eles que fuzzes tendem a recompensar muito bem aqueles que conseguem finalmente os domar.

Engraçado que hoje existe um revival de fuzzes, todo mundo tem um, ou quer um, ou flerta com um, mas dez, doze anos atrás, eram efeitos virtualmente esquecidos e indesejados, pra ver como a história é sempre uma cobra tentando comer o próprio rabo.

Outros dois efeitos que eles usaram muito nesse e nos seus outros álbuns e que logo se tornaram alguns dos meus efeitos preferidos foram os Envelope Filters e os Ring Modulators. Até aí, eu basicamente desconhecia esses efeitos, e na minha ingenuidade guitarristas de funk faziam todo aquele wahwah, wowwow e demais efeitos de wah com um pedal comum de wahwah comum, foi ouvindo Pavement, que descobri o segredo da coisa, tudo isso era um envelope filter, que entre outros efeitos fazia toda a sorte de auto-wahs que a insanidade humana pode imaginar e mais 1001 efeitos estranhos nessa praia, então se algum dia você ouvir grandes guitarristas de funk como: Garry Shider, Eddie Hazel, Nile Rodgers, Tawl Ross, Glen Goins, Johnny Graham, Roland Bautista, Sheldon Reynolds, Sheldon Reynolds, Tito e Jermaine Jackson (sim eles tocavam pra caralho), etc. Pode ter certeza que você está ouvindo um Mutron III ou outro envelope filter qualquer.

Entretanto, o Pavement não usava os evelope filters pra fazer as vezes de wahwah, eles usavam um Lovetone Meatball, provavelmente o Envelope Filter mais insano já criado pela espécie humana, o pedal pega o filtro básico de wah e leva pra outro nível, incluindo desde loop de efeitos, controles externos de filtro e até mesmo um jack com um plug que tem uma célula foto sensível pra controlar qualquer um dos 10 parametros do efeito e criar variações de acordo com a incidência de luz na célula. Esse efeitos é usado, abusado e reinventado nas ambiências e texturas sonoras criadas pelo Stephen Malkmus e o Scott Kannenberg. Nem preciso dizer que foi assim que um Boss AW-2 Auto Wah, foi parar no meu set. Infelizmente ele nem chega perto do Meatball em termos de recursos, mas dá pra brincar bastante.

Já o ring modulator é outra história, esse é um dos pedais mais difíceis de serem usados que já vi, é muito difícil fazer música com eles, mais difícil ainda é fazer eles soarem musicais, afinal os sons que saem dele estão mais para aqueles sons que o R2-D2, o HAL-9000 ou os sons TROM do que pra o som de uma guitarra. No entanto, as texturas que o Malkmus e o Kannenberg criam usando esse efeito estão entre as mais etereamente musicais que já ouvi, estão sempre baixinho na mix, mas ao mesmo tempo, estão sempre lá, como um ser sobrenatural quase invisível à nossas percepções. Novamente eles usam um pedal da lendária e já falecida Lovetone, no caso o Ring Stinger, que na época custava na faixa de 1000 dólares e tinha fila de espera de 3 anos, eu me contentei com um Ring Modulator genérico fabricado nos anos 70 no Japão, esse também tenho até hoje, mas infelizmente por mais que ame o som desse pedal, nunca consegui encaixar ele com nada.

Outra grande influência que o Pavement teve na minha forma de ver a guitarra é que não raro, eles simplesmente desligam todos os efeitos e criam sons e texturas sonoras totalmente fora do comum usando apenas o som limpo ou o mais leve crunch dos amplificadores, sem nenhum efeito, algo que eu passei uns 3 ou 4 anos da minha vida tentando fazer, as vezes com sucesso, outras sem sucesso algum.

Bom voltando ao disco…

Uma coisa bem marcante no som da banda é a voz extremamente limitada e não raro levemente desafinada dos membros da banda, em especial do Stephen Malkmus, um problema que foi minimizado neste disco, mas não completamente eliminado, o que dá uma enorme identidade ao som da banda e que seria algo que veríamos muitas vezes nas bandas de indie rock posteriores, e algo que me deu uma certa esperança de que quem sabe um dia, eu possa dar umas de vocalista, afinal, eu nem tenho as limitações vocais dos caras, mas acho que desafino tanto quanto eles, se não ficar pensando na afinação enquanto canto… hehehehehhe

Pavement -- da esq. para a dir. -- Scot Kannenberg, Mark Ibold, Stephen Malkmus, Steve West e Bob Nastanovich

Ao contrário dos discos anteriores da banda, o Terror Twilight é bem mais comportado, as afinações alternativas são mais coerentes, os timbres mais coesos e as composições mais refinadas, se comparados à loucura desenfreada dos discos anteriores. Isso em grande parte é influência do Nigel Godrich, produtor de nomes como Radiohead e Beck, que viu o potencial das composições do Stephen Malkmus (afinal ele era o gênio da banda), e simplesmente ignorou as composições dos outros membros — pra falar a verdade, muitas vezes ignorou até as maluquices do próprio Malkmus — o que piorou as brigas internas já existentes na banda e culminou com o fim da mesma, após a turnê do disco.

Recentemente, eles voltaram a tocar juntos, não tem planos de gravar nada, mas ano passado fizeram um show aqui no Brasil, mas que infelizmente eu não pude ir, ou era Pavement ou Paul McCartney, e por mais que eles sejam a maior influência que tenho em termos de efeitos malucos e em 1001 maneiras de usar um fuzz sem parecer o Jimi Hendrix (que por sinal é uma grande influência dos caras), Sir Paul McCartney está na minha vida há muito mais tempo e usava fuzz até no baixo naquele subestimado disco de 1965.

I hope you’ve enjoyed the ride.

Que a Força esteja com vocês!

nichendrix

#3 — The Jimi Hendrix Experience — Electric Ladyland

The Jimi Hendrix Experience -- Electric Ladyland (US Cover)

The Jimi Hendrix Experience -- Electric Ladyland (UK Cover)

The Jimi Hendrix Experience -- Electric Ladyland (Back Cover)

…And the Gods made Love.

Assim — com os Deuses fazendo amor — começa este, que é de longe um dos álbuns mais revolucionários de todos os tempos: o Electric Ladyland do The Jimi Hendrix Experience. E ao fim de seus 72 minutos, não resta nenhuma dúvida que os Deuses realmente fizeram amor com Jimi Hendrix enquanto ele gravava esse álbum.

A maioria das pessoas conhecem o Hendrix “doidão”, o homem que definiu o conceito de Guitar Hero, o negão voodoo que tacava fogo nas guitarras, tocava com os dentes e promovia uma violenta catarse nos palcos ao quebrar todo o seu equipamento defronte de um público estarrecido diante de um homem que mais parecia uma entidade de outro mundo, um semi-deus enfurecido de alguma religião perdida, da qual hoje, só se conhecem os rumores e lendas de uma civilização há muito esquecida.

Nas minhas andanças e conversas mundo a fora, eu sempre encontro pessoas que rapidamente são capazes de evocar essas memórias do Hendrix, o show man, todavia, foram raras as vezes que vi pessoas evocarem o Hendrix compositor, o gênio inovador do instrumento da qual se tornou o simbolo maior.

Embora a guitarra fosse um instrumento muito novo, com pouco mais de 30 anos na época do Hendrix, era um instrumento eternamente preso ao seu breve passado. Até que veio o Cream quee apontou um novo norte, e a elevou a um novo status na cultura popular, e então, o vento gritou Hendrix! e finalmente o instrumento se libertou de suas limitações iniciais, assumindo um novo papel, incorporando toda uma nova gama de técnicas, efeitos e sonoridades.

Embora o Are You Experienced? e o Axis: Bold as Love tenham mostrado ao mundo quem era James Marshall “Jimi” Hendrix e tenham iniciado uma revolução sem precedentes no mundo das seus cordas, a sua verdadeira obra prima enquanto compositor é o seu ultimo álbum de estúdio com o Experience, o Electric Ladyland.

Ao contrário dos álbuns anteriores, esse álbum não teve nenhum grande hit imediato, embora tenha chegado ao sexto lugar das paradas, ele não mostra um Hendrix fazendo todo tipo de peripécias guitarristicas que tanto caracterizaram seus dois primeiros álbuns e que era sua marca registrada em shows. Esse álbum inteiro mostra um homem obcecado em busca da expressão de suas idéias da maneira que elas soavam em sua cabeça.

Essa busca é refletida no perfeccionismo das gravações, musicas como Gypsy Eyes, chegaram a ter mais de 50 takes gravados até que ficasse da forma que seu criador a imaginou. Sua busca pelos sons de sua cabeça era tão intensa que lhe levaria a deixar a guitarra de lado em vários momentos e a explorar não só diverssos outros instrumentos, assumindo a percussão, piano, kazzo, baixo e até um cravo elétrico, bem como experimentando com diversas novas combinações de músicos, efeitos, e equipamentos durante suas gravações.

Como ele definiu certa vez, o que ele ouvia em sua cabeça não era estático, em seus pensamentos, o som sempre tinha movimento e estava sempre ativo, como uma perseguição de gato e rato de desenho animado, e ao mesmo tempo, estava sempre contando uma história, não com as palavras, mas com esses sons que eram tão elusivos na sua cabeça. Ele chegou inclusive a aproveitar esse seu pensamento e a sua busca em Have You Ever Been (To Electric Ladyland):

Have you ever been (have you ever been) to Electric Ladyland?
The magic carpet waits for you so don’t you be late
Oh, (I wanna show you) the different emotions
(I wanna run to) the sounds and motions
Electric woman waits for you and me
— Jimi Hendrix

O disco inteiro é recheado de tantas guitarras, assumindo tantas formas, sons, texturas e efeitos, que não é nenhum exagero afirmar que na maioria das músicas do disco o que o Hendrix faz é pintar com os sons, ora definindo paisagens e lugares tão fantásticos e ao mesmo tempo tão reais que você praticamente pode vê-los na sua frente, como em Crosstown Traffic e sua versão para o clássico de Bob Dylan, All Along The Watchtower; ora nos levando à impressões que fariam inveja de Van Gogh ou Monet, como em Long Hot Summer Night, Little Miss Strange e Gypsy Eyes; ora flertando com imagens que evocam um expressionismo surrealista — se é que isso é possível — como em …And the Gods Made Love, e na sequência Burning of the Midnight Lamp, Rainy Day, Dream Away Moon Turn The Tides… Gently, Gently, 1983… (A Merman I Should Turn To Be) e Still Raining, Still Dreaming ou na epopeia surrealista de quinze minutos de Voodoo Chile, somente para se reinventar novamente em versões cubistas de si mesmo como em Come On (Let The Good Times Roll), House Burning Down e na incendiária Voodoo Child (Slight Return), tão visceralmente caótica e chocante quanto a Guernica de Picasso.

Não é exagero afirmar que o Electric Ladyland está para a obra do Hendrix, como a Nona Sinfonia está para a obra de Beethoven. Sendo, portanto, a sua obra prima como compositor e o momento onde mais fortemente vislumbrou o futuro que imaginava para a música, não só a sua, mas a todos que viriam a empunhar uma guitarra elétrica depois dele.

Essa intensidade que leva os sons a tomar a forma de imagens, sensações, impressões e até a se personificar em ídolos primitivos de tempos imemoriais, teve um impacto tão grande na minha vida, que depois de comprar a versão remasterizada desse álbum eu mudei minha assinatura para NicHendrix, com um tipo de letra que remete à caligrafia dele, essa era a única forma que eu encontrei de agradecer à ele por ter me dado o frasco com o liquido vermelho e permitido com que eu pudesse vislumbrar um mundo sonoro, que eu sequer imaginava que existisse, mas que de alguma forma sempre esteve dentro do meu imaginário, mas que enquanto músico (mesmo que amador), sou ainda muito ignorante para ser capaz de acessar com minhas próprias pernas.

Experience in Wonderland

I hope you’ve enjoyed the ride.

Que a Força esteja com vocês!

nichendrix

PS: para todos aqueles que são fissurados em Wahs a la Vox Clyde McCoy, como dos Fulltone Clyde Standard e Deluxe ou os RMC, esse foi o único álbum do Hendrix gravado com esse pedal e toda a lenda em cima desse modelo se deve a uma foto tirada no estúdio onde o Clyde McCoy do Hendrix estava virado e ficava visível a tampa inferior do pedal, permitindo a identificação dele.

With a little help from my friends…

Como já havia falado, a busca pelo timbre perfeito, não é uma busca solitária, embora procuremos um destino só nosso, no caminho sempre dividimos nossa jornada, nossas experiências e impressões com outras pessoas e com isso aprendemos muito sobre o que queremos, e sobre como chegar mais perto desse timbre que tanto perseguimos.

Por isso criei essa coluna para os muitos companheiros de jornada que conheci no caminho poderem acrescentar suas impressões, seus pensamentos sobre aquilo que os influenciou, ou mesmo para jogar conversa fora e postar reflexões sobre assuntos relacionados ao tema. Afinal muitas dessas conversas e das experiências deles, tanto refletem coisas que todos vivemos, cada um de uma forma diferente, algumas coisas que desejamos e no meu caso específico, muitas vezes foram decisivas para abrir os meus horizontes musicais, permitindo que eu seguisse por caminhos nunca dantes navegados por mim.

A coluna começa com uma série de posts de um grande conhecedor de instrumentos e um cara tão legal que nem parece desse mundo, e que tenho o prazer de considerar um amigo que fiz a  partir de minhas conversas no Fórum Cifra Club, uma amizade que começou lá e passou pra minha vida pessoal. Lá no fórum ele é conhecido por MMI, e embora na vida real todos tenhamos nosso nome, as vezes eu brinco que ele é o Dr. Boogie, um trocadinho que brinca com a preferência dele por amplificadores da marca de Petaluna (Mesa/Boogie), como também com o prolifico conhecimento que ele tem a história do Rock and Roll e do Blues (embora a modéstia o impeça de admitir que sabe demais… hehhehe).

Essa série de posts do MMI (aqui como bluesjourney) conta a história de uma viagem que ele fez  pela Route 61, a Blues Route, que vai de New Orleans na Louisiana, atravessando o Mississipi, Tenesee, Arkansas e vai até Minessota, e que foi a estrada usada por muitos negros para fugir da vida dura do trabalho rural nas plantations da Louisiana e do Mississipi, para a vida mais tranquila e urbana de Memphis e Kansas City, cidades a partir dos quais eles depois migrariam para Chicago, Nova Iorque, Los Angeles, Huston, Austin, etc.

A medida que os amigos de jornada forem preparando posts e postando, essa coluna vai tomar forma e se desenvolver, por enquanto é um mistério pra mim, para eles e para todos os que leem. Então, tomem seus assentos e curtam a jornada.

Espero que todos curtam esse relato e todos os outros que estão por vir.

I hope you’ve enjoyed the ride.

Que a Força esteja com vocês!

nichendrix

Indianola Mississipi Seeds

Tive a honra de receber um convite para participar deste blog e falar um pouco sobre história do blues e uma incrível viagem que fiz para conhecer o berço deste incrível estilo musical que influenciou quase tudo na música moderna, especialmente quando se fala em guitarras.  Tem um vídeo do grande mestre BB King onde ele diz que quem quiser entender o blues precisa conhecer o Mississipi. Diga-se de passagem, o título se refere a um disco do mestre BB King que remete às músicas que ele ouvia nas raízes de sua infância. Convido os amigos a uma viagem virtual e imaginária a essa maravilhosa terra cheia de histórias e lendas. Vamos nessa…

É impossível dizer o local e data exata do aparecimento do blues. Mas é possível situar alguns marcos e músicos iniciais. Na virada do século XIX e início do século XX o principal produto de exportação dos EUA era o algodão. Grande parte desta lavoura era cultivada no sul, na região do rio Mississipi e Estado do Mississipi, numa difícil agricultura extensiva (“plantations”), não mecanizada, utilizando mão de obra de negros – escravidão por lá foi terminada em 1863, com a Proclamação de Emancipação de Abraham Lincoln, realizada durante a Guerra Civil Americana. Os negros a rigor não eram escravos, mas não contavam com nenhuma igualdade social e um “negro insolente” podia até ser morto com amparo legal, ou seja, na prática eram próximos à condição de escravos. Até hoje muitas cidades do Mississipi e Louisiana tem uma população negra próxima de 80%. Junte a isso uma lavoura difícil, trabalhosa, numa região de planícies terrivelmente quente e úmida. Eu sei que alguns que acompanham aqui são nordestinos que nem se assustam com 40 graus de temperatura, mas nativos de lá como Ike e Tina Turner descreviam aquilo como o inferno na terra e as plantações de algodão como o pior castigo que existe. Sob essas condições os negros, ex-escravos ou descendentes de escravos, começaram a cantar “spirituals”  com estrutura musical das raízes africanas, baseadas em escalas pentatônicas, em algum lugar do Estado do Mississipi.

Em 1903 um músico chamado William Christopher Handy , que já contava com certo respeito, viajou pelo Mississipi dirigindo uma banda, sendo que em Tutwiler, região do delta, ouviu numa estação de trem um negro cantando e tocando sentado num banco com um violão, usando uma faca como slide, repetindo a estrutura três vezes, no que chamou de “a música mais maluca que já tinha ouvido”. Em 1905 ele escreveu uma partitura e tocou “St Louis Blues”, o primeiro registro da história de um blues, em homenagem e no mesmo tom (G)  dos negros que ouvira. Seu piano e as partituras ainda podem ser vistas na pequena casa de 2 cômodos que morou em Beale Street, Memphis, Tennessee, a qual virou um pequeno museu.

Mas… Quem foi esse negro que cantou e tocou com uma faca, assombrando W. C. Handy? Nunca se saberá, mas especula-se que pode ter sido Henry Sloan, um dos pais e pioneiros do Delta Blues, que não deixou gravações, mas tocou com Son House (vejam essa gravação dele onde ele canta gospel, outra grande influência no blues e que Warren Haynes regravou) e ensinou Charley Patton (de quem uma das gravações é High Water Everywhere que conta uma enchente terrível do Mississipi) e muitos aprenderam com Sloan e Patton, entre eles Bukka White, Howlin’ Wolf, Tommy Johnson, Son House e mesmo Robert Johnson. Todos esses viveram ou passaram por uma grande plantation onde trabalhavam milhares de negros, Dockery Farms.

Muitos, inclusive BB King, dizem que nesse local nasceu o blues. Dockery Farms fica entre Clarksdale (ao norte), uma cidade importante onde estiveram vários músicos, Muddy Waters entre eles, e Indianola (ao sul), terra natal de BB King e Albert King, além de ser onde faleceu Charley Patton. Ali é um mero amontoado de construções de madeira mal cuidadas, que não cobra entrada e nem se preocupa com visitantes. Infelizmente dá a impressão que vai acabar, mesmo tendo entrado para o National Register of Historic Places dos EUA em 2006. Nota-se que sem dinheiro nem em países desenvolvidos a memória consegue se sustentar. Ao chegar ali, junto com a grande plantação de algodão num calor miserável, me deparando com esta cena:

Realmente senti uma amargura, uma tristeza por ver um local tão importante e sem receber a devida importância. Depois me dei conta… Isso é o blues! Este local exala e transpira blues, contagiante.

Nas festas, o pessoal sempre queria Patton e sua turma de boêmios, beberrões e mulherengos de Dockery Farms para agitar com o novo som deles, o blues. O melhor amigo de Patton era Willie Brown, que normalmente fazia as bases para Patton realizar seus malabarismos de tocar com o violão nas costas, jogar para cima etc. Patton conheceu Son House logo que este saiu de uma penitenciária onde cumpriu pena por matar um homem numa briga. Gostou tanto do cara e de seu som que o convidou para uma gravação em Wisconsin formando um trio (era comum os músicos dessa época ir para o norte fazer suas gravações).  Um músico chamado Tommy Johnson foi aprender com eles essa música e ao voltar para sua terra natal no sul do Mississipi criou a história que vendeu sua alma para o diabo numa encruzilhada para conseguir tocar bem. Em meados de 1920 estava aparecendo alguns novos tocadores de blues. Entre eles tinha um adolescente que morava perto de Willie Brown, chamado Robert Johnson. O trio Patton, Brown e House bebiam a valer e na bebedeira ridicularizavam o jovem Johnson que tocava de forma hesitante, acabando por forçar o jovem Robert Johnson a fugir da região. Cerca de um ano depois o sujeito reapareceu deslumbrando todos com uma nova forma empolgante e pesada nas cordas altas, numa maneira nova de tocar:

Entre 1936 e 1937 Robert Johnson gravou alguns dos maiores Country Blues de todos os tempos, mas a carreira foi interrompida com a morte prematura.

Foi sendo praticamente esquecido até que na década de 1960 com os esforços de Alan Lomax (que fez as gravações para a Biblioteca do Congresso), John H. Hammond Jr. (que relançou as gravações de Johnson) e músicos que se apaixonaram pelo blues, como Eric Clapton, relançaram o blues para os EUA e o mundo. Hoje Robert Johnson é um dos músicos de blues mais regravados da história por conta deles

Conseguiram encontrar Son House vivo, este fez apresentações e palestras, criando o mito que Robert Johnson teria vendido a alma para o diabo numa encruzilhada, provavelmente em Clarksdale onde a mítica Route 61 cruza a Highway 49 que é o local mais aceito mas não é onde foi gravado a cena do filme “Encruzilhada”. Achei o local ali realmente meio sombrio, tem um posto de gasolina cheio de baratas… Fica bem próximo de onde Bessie Smith sofreu um acidente automobilístico, tendo sido levada a um hospital onde hoje é o Hotel Riverside, onde faleceu.

Esse é um famoso hotel onde se hospedavam músicos famosos, como Sonny Boy Williamson II, Robert Nighthawk e Ike Turner, que compôs Rocket 88 ali, que seria o primeiro rock’n roll gravado. Ike Turner mesmo era nascido em Clarksdale, cidade natal também de Son House, John Lee Hooker e Muddy Waters. Ike Turner foi casado com uma mulher do Tennessee, Tina Turner, formando a famosa dupla Ike & Tina Turner. Voltarei à Clarksdale logo a seguir…

Vou descer o Mississipi, direção ao sul na Route 61 e virar à esquerda, o destino é Indianola. BB King ainda quando criança chegou a ir para Dockery Farms visitar parentes e amigos, quando entrou em contato com o blues. Trabalhou por muitos anos nas lavouras de algodão da região, tendo a rara oportunidade de se tornar tratorista antes de fugir para Memphis. Fugiu porque bateu o escapamento do trator num celeiro e achou que seria morto pelo patrão, pegou sua guitarra e os 2,50 dólares e saiu correndo… Em minha opinião acabou por se tornar o maior expoente do Delta Blues, com sua inseparável Lucille a quem não se cansa de declarar todo seu amor.

Isso o tornou o mais importante endorser da Gibson. Tanto que na fábrica de Memphis, a Gibson presta todas as homenagens a este grande mestre. Em Indianola BB King arrecadou 15 milhões de dólares e construiu um grande museu sobre o Delta Blues e sua carreira e sem dúvida é seu filho mais famoso e importante, recebendo vários nomes de ruas em sua homenagem. Entendam que o Blues era uma música de uma minoria negra, feita para a mesma minoria, pouquíssimos mantiveram a carreira até a década de 60, como B.B. King e Muddy Waters. Inclusive, B.B King foi o primeiro bluseiro a se apresentar a uma platéia branca, em 1970 no Boston Arena (esta foto é deste momento histórico), já que antes disso o blues era marginalizado pela sociedade e quase que o blues sumiu. Felizmente BB King acabou recebendo o devido reconhecimento pelo público, pela sociedade, pela história, recebendo o título de Doutor Honoris Causa em música por Yale e Berklee, além de ser recebido por presidentes, ganhar Grammys e os mais variados prêmios

Buddy Guy considera BB King o maior de todos e lamenta que o rei só vendeu muito no mundo todo quando gravou com um grupo de brancos irlandeses (U2). Nas palavras de BB King, John Lee Hooker é único e o maior poeta do blues, mas Muddy Waters é o maior de todos os bluseiros do Mississipi e pai de várias gerações de músicos negros ou brancos. Então voltemos à Clarksdale…

Bem próximo à Clarksdale fica até hoje uma grande plantation de algodão, chama-se Stovall Farms.Ali viveu uma das maiores lendas do Blues, Muddy Waters.

Estas eram as paredes da casa onde Muddy Waters morava, uma casa normal de negros que trabalhavam nas plantations. Em agosto de 1941 Alan Lomax esteve nessa casa com um gravador portátil a fim de registrar a música rural americana para a Biblioteca do Congresso, cena inicial do excelente filme Cadillac Records de 2008, que retrata Muddy Waters e a ascensão da Chess Records de Chicago, que foi para onde Muddy foi viver e fazer carreira, se tornando o maior expoente do Chicago Blues. Os Rolling Stones na primeira turnê pelos EUA fizeram questão de passar pela Chess Records de Chicago por ser o local de Muddy Waters e a quem eles deviam o nome da banda.

Mas voltando para Clarksdale, existe lá o Delta Blues Museum, visitado por Eric Clapton, Paul Simon e em especial por Billy Gibbons do ZZ Top. Em 1987 o texano Billy Gibbons conheceu o museu e a antiga casa de Muddy. Pegou um pedaço da madeira da antiga casa, construiu o que chamou de Muddywood Guitar e arrecadou milhares de dólares, conseguindo transferir toda cabana para dentro do museu onde não se perderá mais, sendo que a Muddywood guitar fica dentro desta pequena cabana. Para quem for, em Clarksdale fica um restaurante (Madidi) que o ator Morgan Freeman, apaixonado por blues, mantém com boa comida, a boa música fica num bar onde também é sócio, bem próximo do museu, onde tem boa música. No dia que alguém for, sugiro olhar o site do Ground Zero Blues Club porque não abre todos os dias. É bom que se deixe claro, Clarksdale é um pequena cidade, bem pacata, não tem prédios, deve ter 1 km de ponta a ponta da cidade.

#2 — John Mayall and the Bluesbreakers feat. Eric Clapton (Beano Album)

John Mayall and The Bluesbreakers feat. Eric Clapton (Beano Album)

E Deus criou a Les Paul…
… que o diabo plugou em um Marshall.

A minha paixão pelo som do Eric Clapton é pública, notória e de longa data e está longe de ser um segredo que de todos os guitarristas, ele é provavelmente o que mais tem influência no meu timbre e no timbre que procuro e não dá pra negar que o Slowhand ganha por um peteleco do negão Voodoo, do Mr. Lucille e de Sir George em minha preferência por timbres de guitarra.

Dito isso, não dá pra ignorar o fato de que poucos albuns na história da guitarra tiveram tanto impacto no futuro do instrumento quanto essa feliz reunião de John Mayall e seus Bluebreakers e Eric Patrick Clapton. Foi nesse álbum que surgiu uma combinação lendária: a união de uma Gibson Les Paul Standard sunburst e um amplificador Marshall, mas para explicar como essa combinação surgiu, temos que voltar um pouco no tempo e falar de uma uma pedra que, naqueles tempos, não parava de rolar.

E tudo começou em 1964, quando Keith Richards comprou uma Les Paul Standard Henritage Cherry Sunburst ano 1959 durante a primeira turnê americana dos Rolling Stones. O Clapton, grande amigo do Keith, ficou impressionado com o som da guitarra e tratou logo de conseguir uma guitarra igual para si, no caso uma Les Paul Standard 1960, também na cor Henritage Cherry Sunburst.

Mais ou menos pela mesma época um certo baterista que atendia pela, ainda inglória, alcunha de James Charles “Jim” Marshall — que alguns anos antes havia começado uma pequena loja de instrumentos e depois a fabricar amplificadores de guitarras — começou a experimentar novas combinações de válvulas e  algumas variações de design nos seus amplificadores. Neste período, quase todas as tardes o jovem Clapton, então, apenas um aprendiz de Guitar Hero em início de carreira, ia todos os dias ficar praticando na loja de Mr. Jim, até que um dia pediu que ele lhe fabricasse um amplificador pequeno o suficiente para caber na mala de seu carro. E daí nasceram os Marshall JTM-45 1961 e 1962, respectivamente as versões 4×10 e 2×12 deste famigerado amplificador.

Até aqui, essa é uma história pública e notória que aparece facilmente em quase toda conversa de guitarrista sobre o Slowhand. O que pouca gente, nos dias de hoje, parece se dar conta é das consequências dessas duas felizes uniões, mas bom, deixa eu continuar meu causo…

Como ia falando, pouca gente hoje em dia se lembra que em 1964 a agora famigerada e lendária Gibson Les Paul, era uma guitarra que havia sido tirada de linha em 1960 por ser um instrumento baixas vendagens na linha da Gibson. A guitarra era linda, mas não vendia, simples assim. Ela seria substituída por outra lenda, a Gibson SG — que também está muito associada ao Slowhand, mas essa história fica pra outro disco.

Tudo isso mudou quando Eric Clapton, então, com 19 anos mudou-se, para a casa do jornalista, escritor, cantor e multi-instrumentista, John Mayall e sua esposa. Lá Clapton — ainda um jovem e promissor padawan nos caminhos das seis cordas — encontrou uma das maiores coleções de discos de blues do lado oriental do Atlântico, e um verdadeiro Mestre Jedi no estilo para lhe ensinar os verdadeiros caminhos da Força do Blues. Por pouco mais de um ano, Clapton ficou basicamente trancado em um dos quartos da casa dos Mayall, apenas tocando e ouvindo blues em praticamente todo o seu abundante tempo livre, o resto do tempo ficava vagabundeando pela cidade, treinando mais um pouco na loja do Jim Marshall e acima de tudo, ensaiando com a banda do Mayall, o já importante e influente John Mayall and The Bluesbreakers.

Dessas sessões de ensaio seguiram-se show tão lendários que um dia resultaram na mais famosa pichação já associada ao rock and roll:

“Clapton is God!”

Por fim um álbum que resumiria o período de treinamento intensivo de Clapton com John Mayall, esse seria o disco John Mayall and the Bluesbreakers feat. Eric Clapton, também chamado de “Beano Album”, pois o Clapton estava lendo um exemplar da revista em quadrinhos Beano na capa do disco.

A verdade é que antes dele ninguém tinha de fato tentado a combinação de plugar uma Les Paul em um Marshall no talo e isso teria um impacto muito profundo no mundo das seis cordas. Se hoje as Les Paul Sunburst de 1958 a 1960 chegam a mais de 500mil dólares em leilões, tudo pode ser traçado ao lançamento deste album. Depois dele milhares de guitarristas adotaram a mesma combinação, de Duane Allman e Dickey Betts, passando por Mike Bloonfield e Billy Gibbons até chegar em Joe Perry, Jimmy Page, Ace Frehley e até o — agora infame — Slash. Todavia, tudo isso pode ser traçado aos pouco mais de 12 meses em que o Clapton usou essa guitarra com os Bluesbreakers. Então, se você queria uma Les Paul sunburst dessa época e não tem meio milhão de dólares para comprar, a culpa é do Eric Clapton.

Não há como negar que esse disco é um grande marco em termos de timbre, não só pra mim, quanto para muitos guitarristas ao longo da história. Logo de caras temos All Your Love e logo no primeiro segundo do disco uma guitarra infinitamente mais distorcida do que era o padrão para a época, um timbre gordo e cortante e com aquele sustain que tanto fez a fama das Les Paul e ao longo da música usando e abusando da microfonia como forma elemento musical, outra característica quase que inédita para a época. Uma característica que muito chama a atenção é que eles começaram o disco com uma música de andamento lento, que é outra coisa bem incomum na época, onde as baladas vinham mais para o meio do álbum.

Logo sem descanso temos Hideaway, um cover do Freddie King que estava com tanta distorção que em alguns momentos chega a parecer que havia um leve fuzz na guitarra, mas no entanto é só um Marshall sendo forçado ao seu limite máximo. Também chama a atenção a diferença em relação ao original. Enquanto Freddie King tocava essa música em uma versão mais lenta e de forma bem dançante, Clapton e os Bluesbrakers tocam em um andamento bem mais rápido e a característica dançante é trocada por sons rasgadados e gritantes de guitarras, que já apontavam para o surgimento do Woman Tone que tanto faria a fama do Clapton em anos posteriores. Aqui também vale lembrar a maestria com que ele usa o pot de volume da guitarra com um peteleco abaixo do máximo para garantir que o som mais distorcido iria aparecer durante os solos principais, bem como a forma como ele troca a posição do meio pela ponte na parte final da música.

Depois vem Little Girl e o abuso da posição do meio, com os dois captadores ligados (a posição preferida do Clapton), sonoridade que se repete em Double Crossing Time, dá pra ver nessas faixas o vislumbre de alguns dos sons que mais tarde virariam marca registrada de outro grande usuário das Les Paul Standard Sunburst, Jimmy Page, que é o som de solos com o seletor na posição intermediária, que o Page pegaria e levaria para outro nível de distorção com os Marshall 1959 SLP e seu Vox Tone Bender ligado em um par de Echoplex.

Uma outra faixa que me chama atenção é a mistura de What’d I Say do Ray Charles com Day Tripper dos Beatles e que traz outra grande inovação para a época, um solo de bateria de mais de dois minutos, com o clapton explorando o captador do braço na parte da música em que eles tocam o riff de Day Tripper. Um adendo que eu sempre faço pra mim mesmo sempre que ouço essa música é que embora a primeira vista pareça que foi combinado, depois fiquei com a impressão que o Clapton mandou o riff ali na doida, porque daí até o final o John Mayall fica tentando encaixar o riff original do Ray Charles que ele toca no Hammond com o riff de Day Tripper que o Clapton toca na guitarra.

Em Key to Love o que mais me impressiona em termos de timbre é a capacidade de em alguns momentos o Clapton achar o lugar dele no meio do naipe de metais a ponto de praticamente nem ser notado, e nitidamente ele dá uma baixada das boas no pot de volume nas partes de base da música para depois mandar ferro nos solos com o pot já beirando o máximo.

O Mayall toca pra gaita pra caralho em Parchman Farm… ali nem Deus conseguiria fazer ficar melhor com uma guitarra… hehehehhee

Finalmente chegamos a minha música preferida desse discos, que é Have You Heard. Pra mim, de todas as músicas do disco é aqui que o Clapton realmente mostra sua maestria e do que uma Les Paul e um Marshall são realmente capazes. Ele vai de timbres limpos, passando por crunchs bem levinhos, até sons para solos bastante saturados, sempre abusando do sustain e fazendo ele dar um blend com as microfonias. Outro show a parte é notar como ele fica alternando entre as posições do meio e da ponte para criar sonoridades bem diferentes.

Depois do show de Have You Heard, podemos ver a primeira vez que Mr. Clapton grava uma música nos vocais, segundo ele, a insegurança foi tão grande que ele teve que ficar sozinho na sala de gravação com todas as luzes apagadas para não travar na hora de cantar. Uma característica interessante é que o Clapton grava a música inteira com um único timbre, um crunch leve com a chave de seleção na posição do meio.

Antes do fim, vem a pedreira que é Steppin’ Out, essa música é pedreira do começo ao fim, rápida, ultra distorcida, com toda a gordura do mundo e o Marshall já protestando com o abuso de ganho, em alguns momentos é tanta distorção que dá pra ver novamente surgir aquele drive levemente afuzzeado dos falantes distorcendo junto com o amplificador e uma profusão de notas quase sem “respiração” entre elas — característica que viria a ser uma das marcas registradas do SRV.

Por fim e novamente desafiando toda a lógica da época, o disco termina com a música mais rápida e o Clapton brincando com o captador da ponte e apenas um crunch leve durante toda a música. O show dessa música fica por conta da harmonica do John Mayall, não sei o que ele fazia pra dar conta da respiração nessa época, mas é muito difícil tocar naquela velocidade com uma gaita, a música inteira rola como se tivessem ligado o turbo do respirador do Darth Vader… hehehhehee

Enfim, acho que deu para perceber porque esse disco é tão foda e tão influente, ele foi uma ruptura com tudo o que havia de estabelecido na época, seja em termos de instrumentação, seja de repertório, seja de estilo, seja de tudo, não é nenhum exagero dizer que esse foi o disco que definiu a cara do Blues-Rock Inglês pros 10 anos seguinte e foi quem trouxe a Les Paul de volta das cinzas e do ostracismo e definiu como a combinação Les Paul + Marshall iria soar por quase de meio século, visto que mesmo hoje, quase de 50 anos depois do lançamento original, esses sons ainda são a referência principal dessa combinação, seja direta ou indiretamente.

I hope you’ve enjoyed the ride.

Que a Força esteja com vocês!

nichendrix

#1 — Charlie Christian: Complete Studio Recordings

Charlie Christian: The Complete Studio Recordings

Eu decidi começar essa série de posts sobre discos que mudaram minha vida fazendo uma homenagem — mais que justa — ao cara que mudou a vida de todos nós, Charlie Christian. Se todos nós tocamos guitarra hoje em dia, grande parte da razão disso é porque um dia ele empunhou uma guitarra elétrica.

Creio que a maioria nunca tenha ouvido falar dele, muito menos tenha consciência da importância dele para a história da música e do instrumento, mas a verdade é que foi ele quem tirou o violão/guitarra da sessão rítmica das big bands da época, transformando-a em um instrumento solista, assim como saxofones, trompetes, violinos, e afins.

Reza a lenda que que um belo dia John Hammond — o cara que descobriu nomes como Benny Goodman, Billie Holiday, Count Basie, Aretha Franklin, George Benson, Bob Dylan, Bruce Springsteen e Stevie Ray Vaughan — descobriu o Charlie Christian ainda em Oklahoma e teria levado ele para Los Angeles para apresentar ao Benny Goodman — um grande clarinetista de jazz que foi um dos primeiros brancos a aceitar negros em sua banda, e que na época tinha caras como Lionel Hampton e Count Basie tocando no seu sexteto.

O Hammond levou o Christian para uma sessão de gravação do Goodman, e os dois se estranharam e não gostaram do que o Christian tocou naquele dia.  Porém, o John Hammond sabendo do talento do Christian, pegou e colocou ele, sua guitarra e amplificador no palco, e quando o Goodman subiu para começar o show ficou furioso com isso e teria dito para a banda tocar Rose Room, uma música que guitarrista negro de Oklahoma não saberia tocar.

Felizmente o Goodman nem sonhava que haviam avisado para o Christian qual era o número preferido do Goodman nessas horas, e que não só ele sabia a melodia da música como já havia criado mais de 20 variações do tema principal. Naquela noite Rose Room não durou os costumeiros 3 minutos, durou um set inteiro de 45 minutos, com o Christian e o Goodman duelando improviso atrás de improviso. Depois disso, o Benny Goodman Sextet passou a ser um septeto. Logo toda nossa jornada em busca do timbre perfeito começou com essa música:

Antes dele, eramos todos guitarristas base, e embora tenham existido alguns guitarristas que faziam suas experiências com solos como o Loonie Johnson, Eddie Lang, Eldon Shamblin (o criador do Texas Swing) e o Floyd Smith. Todavia nenhum deles era de fato um solista, eram guitarristas que faziam guitarra base e eventualmente encaixavam licks entre os versos ou tocavam a melodia principal da música com alguns improvisos.

Foi Charlie Christian quem mudou esse cenário, foi ele o primeiro a a ir pro frontline e solar feito um doido e de quebra definiu como viria a soar a guitarra elétrica nos 20 anos que seguiram a sua morte. B.B. King, T-Bone Walker, Chuck Berry, Barney Kessel, Jim Hall, Wes Montgomery, Scottie Moore, Cliff Gallup, Chet Atkins, Les Paul, Jimi Hendrix, Keith Richards, Buddy Guy, eu poderia continuar a noite toda citando guitarristas que consideram o cara uma de suas influências primordiais. O único outro guitarrista que conheço que teve tanta influência no instrumento foi um tal de Jimi Hendrix, e, como disse, mesmo ele era um fã declarado do cara.

Para revolucionar tanto a posição do guitarrista e da guitarra nas bandas da época o Christian não só renegou os outros guitarristas da época e que vieram antes dele, como também renegou a própria guitarra acústica (vulgo violão archtop). No estilo dele fica clara a influência de instrumentos de sopro como o Saxofone, Trompete e Trombone (os dois primeiros inclusive ele tocava), como também do piano, de onde ele absorveu muitas ideias harmônicas tanto para os momentos poucos em que ficava fazendo base para o resto da banda, quanto para os arpeggios em seus solos. Porém, havia um problema, violões archtop, embora produzissem mais volume que os flat top, não tinha volume suficiente para se sobressair no meio de uma banda grande, então, o segundo passo foi usar uma guitarra elétrica, uma Gibson ES-150, uma das primeiras (se não a primeira) a vir com captador magnético de série e o Christian ficou tão associado a essa guitarra que até hoje os captadores de imã de barra que ele eram usados nas ES-150, são chamados captadores Charlie Chirstian.

Outro fator importante sobre o Charlie Chistian é que ele é um dos inventores do Bebop, o estilo que finalmente elevou o jazz ao mesmo patamar da música erudita em complexidade técnica/teórica.

Se Charlie Parker, Dizzy Gillespie, Thelonious Monk e Don Byas pariram o Bebop para o mundo, foi Charlie Christian quem botou esse menino dentro deles, já que ele morreu praticamente na mesma época que o Bebop começou e os quatro admitem que o Christian foi a inspiração para largar de vez a influência dos estilos mais antigos — como Blues, Diexeland, Charlleston, Polka, Foxtrot e afins — no jazz e partir para um patamar mais complexo, antes deles a harmonia no Jazz era relativamente simples, eles quem começaram a brincar com inversões mais complexas, a adicionar 9ª, 11ª e 13ª nos acordes e por aí vai.

Por isso não só ele se tornou o principal solista da primeira geração de guitarristas elétricos, mas foi tão bom que praticamente não encontra rival até a geração seguinte, o único que chega perto de ser tão importante dessa geração dele é outro monstro do instrumento, o guitarrista cigano Django Reinhardt, mas isso era do outro lado do oceano, e pela época que o Django realmente se tornou influente do lado de cá do Atlântico, o Christian não só era o que era, mas também já tinha passado pro andar de cima. O Christian, através do septeto do Benny Goodman se tornou tão popular na época, que mesmo após 2 anos de sua morte ainda ganhou 2 prêmios de melhor guitarrista do ano pela Down Beat.

Enfim, a influência do cara na música e na guitarra é enorme e inestimável, tanto que 20 anos mais tarde Miles Davis e John Coltrane se inspirariam nas melodias do cara para criar o Cool Jazz no lendário Kind of Blue, o disco mais vendido da história do Jazz.

Vendo eu falar tanto do cara, até parece que eu sou fã dele a vida toda, mas infelizmente nem é o caso, já que eu só conheci o cara em 2001 quando as gravações dele foram recuperadas, remasterizadas e lançadas, antes disso a ultima edição de um disco dele era de 1972, eu nem era uma espermatogônia nessa época.

Todavia, não posso negar que depois de ouvir tanta gente influenciada por ele, de tanto ler sobre ele e de tanto desejar um dia ouvir o que esse cara tinha feito para ser considerado tão especial por tanta gente, a sensação que tive ao ouvir o primeiro disco desse box de 4 discos foi a de que eu voltava para casa. Foi muito parecido como chegar na casa da minha avó e sentar na cadeira de balanços que foi do meu bisavô.

Até hoje me impressiona a capacidade do cara de soar moderno e de sozinho resumir tantos timbres impressionantes que viriam depois, ele era simplesmente um vislumbre do futuro, do que viria nas duas décadas seguintes, de sons limpos aveludados, que mais tarde iriamos rever com o Wes Montgomery, passando por agudos estalados com uma mordidinha de um levissimo drive a lá Scotty Moore (guitarrista do Elvis), até aquele drive de baixo ganho que tanto fizeram a fama do Chuck Berry, T-Bone Walker e dos primeiros discos dos Beatles e Rolling Stones.

Tudo isso estava lá nas músicas dos 4 discos deste box. O meu som preferido dele é um som limpo bem jazzistico, mas que distorce levemente quando ele palheta mais forte, especialmente nos agudos, pra mim é o santo graal do timbre para solo em jazz, um timbre que só consigo reproduzir hoje tocando no meu Marshall JTM-60 com os P-90s Lindy Fralin da Teresa Cristina, nenhum amplificador mais limpo me dá esse som.

Não dá pra negar também que ele foi o primeiro “fritador” do nosso instrumento, comparando com os outros guitarristas da época, a profusão de notas que ele tocava era quase que como comparar Steve Vai com B.B. King.

Outro fator que muito me impressiona, além da destreza técnica dele, é o fato de que ele literalmente soa ora como um saxofone, ora como uma clarineta, ora como um o vibrafone do Lionel Hamptom, muitas vezes quando ouço os discos sem ficar prestando atenção, só percebo que os solos dele terminaram porque o jeito dele é muito peculiar, as vezes, quando ele está “imitando” o Benny Goodman, nem chego a perceber até o Christian começar a acelerar.

Por essas e outras peripécias que decidir começar com ele, o cara que definiu a estética do som do instrumento por duas décadas e consolidou esse instrumento, tão novo, como um expoente dentro da música popular.

Hope you’ll enjoy the ride.

Que a força esteja com vocês!

nichendrix

Um Duke, uma cartola e uma pilha dos discos…

A long time ago, in galaxy far, far away…

Um garoto que gostava de brincar com guitarras conseguiu comprar o seu primeiro instrumento, uma boa e velha Squier Bullet — bem não tão boa assim, mas isso é outra história — que vinha em um kit com um amplificador transistorizado de 10W. Chegando em casa esse garoto, que como eu, amava os Beatles e os Rolling Stones, plugou sua maravilhosa Stratocaster igual a do Jimi Hendrix em seu maravilhoso amplificar quase igual ao do B.B. King e tentou tirar um som bonito — detalhe, ele não sabia fazer nem um Dó-Ré-Mi — e passados os cinco minutos iniciais de maravilhamento com aquele botãozinho que tem escrito drive e liga o som pauleira do amp, ele parou e pensou: “Que som feio dos infernos, eu quero tocar igual ao Slash”.

PS¹: Hoje dizer que quer tocar igual ao Slash é quase um crime passível de pena de morte, mas lá trás, na primeira metade dos anos 90, o sonho de todo garoto que comprava a primeira guitarra era ser fodão que nem o Slash em Don’t You Cry com aquelas calças de couro esmaga bagos e o cigarro pendurado na boca, tocando na beira do Grand Canyon com o Mustang lá embaixo queimando com a loirinha dentro ou cheio de atitude que nem o Kurt Cobain e não tem estudo no mundo que mude a cabeça de um adolescente que acha que tem razão.

Bom essa poderia ser minha história, e em parte foi, já que eu também tive uma Squier Bullet branca “igual a do Jimi Hendrix” que comprei antes mesmo de saber afinar o instrumento. O som que quis tirar na hora foi um pouco diferente, já que eu queria o som de Day Tripper dos Beatles ou o som do Wes Montgomery em My One and Only Love — tá pensando o que, no saxofone a gente não fica fazendo penta menor o dia todo não… hehehe — e obvio o som do Slash em November Rain ou do Dado Villa Lobos em Tempo Perdido, já que naquela época, todo garoto metido a tocador que fizesse jus ao peso que tinha dentro das ceroulas, tinha que toca Guns’n’Roses e Legião Urbana pra poder conseguir se livrar da alcunha demoníaca de… Bom, essa história fica pra outra hora, vamos logo ao que interessa.

Como eu disse antes, o Blog foi criado para dividir e discutir um pouco o meu caminho na busca pelo timbre perfeito, e isso passa necessariamente por falar dos sons que mais me marcaram e que se tornaram referências em termos de timbre perfeito para mim, entretanto, posso afirmar que muito mais que referências pelos sons de guitarra, eles me marcaram por serem acima de tudo referências musicais, já que não adianta nada ter o timbre perfeito se ele não estiver a serviço da vontade da Força, ou seja da música.

Isso me remete a uma entrevista do Duke Robillard para a Guitar Player estadunidense — quem inventou que a América acaba no Delta do Mississípi? — lá perguntavam como ele era a rotina de treinos dele para ter se tornado o grande músico que ele é, então ele fala que o principal treino dele é ouvir música, já que treinar técnica era apenas um exercício mecânico, ginástica para os dedos e que estudar teoria era como estudar matemática ou história, exercício para a mente, mas que a única forma de se treinar para fazer música é ouvir música, especialmente grandes músicos, não importava o estilo de música que tocassem.

Bom, essa fala me tocou bastante, já que eu pensava algo muito parecido. Mesmo não sabendo nem a diferença de um dó pra um ré naquele emaranhado de “arame” e madeira que eu costumava chamar de Scarlet O’Hara (eu juro que achava que corda de guitarra era um arame mais fino). Essa entrevista, de certa forma foi crucial para mim, já que como todo bom TDAH, eu tinha muita dificuldade de ficar horas e horas sentado na cadeira treinado escalas, arpeggios, acordes, inversões, patterns, licks etc., e embora eu já tivesse um conhecimento razoável de teoria musical, era difícil adaptar isso do saxofone para o braço da guitarra, sem contar que eu nunca tinha feito um acorde na vida.

Logo, embora eu ainda nem soubesse que era um TDAH, eu já conhecia os sintomas o suficiente para saber que dificilmente seria um desses velocistas tão legais que todo mundo achava massa naquela época. Então, muito do meu estudo foi voltado para aprender a usar a teoria de forma a compensar minhas limitações técnicas, a oura parte, foi seguir o conselho do Duke Robillard a risca, e foi isso que fiz, ouvi, ouvi, ouvi, ouvi, e continuo ouvindo até hoje.

Obvio pra mim foi um pouco mais fácil ouvir, meus pais na época eram donos de uma importadora e nosso principal produto na época era o tão aclamado “disco laser” e os novos sistemas hi-fi esterofonicos ultra modernosos de elite que traziam para nós, pobres mortais, a experiência de uma sala de concertos em casa usando espelhinhos redondos no lugar dos obsoletos bolachões.

Resumindo, eu tinha acesso fácil a uma quantidade muito grande de informação musical, o que era bem difícil naquela época, e aprendi a usar isso a meu favor como fonte de informação e estudo de música. Isso só aguçou meu ouvido para perceber melhor a música, mas para identificar o que fazia aqueles timbres partes tão essenciais daquelas músicas.

Hoje, mais de 3000 álbuns e incontáveis horas depois, eu posso dizer que consegui informações o suficiente pra traçar um mapa, mesmo que rudimentar, do som que fica martelando na minha cabeça o tempo todo.

Esse é um dos propósitos do blog, dividir com os amigos, colegas e interessados os elementos desse mapa e as diversas aventuras e desventuras que me acompanharam neste trabalho de “cartografia música”. Para isso escolhi 50 álbuns que foram realmente marcantes, e que por isso estão na minha lista de coisas que tenho que salvar caso o Armagedom aconteça amanhã.

I hope you’ll enjoy the ride.

Que a Força esteja com vocês!

nichendrix

PS²: Alguns devem estar se perguntando porque 50 e não 100 ou 20 ou 5, etc? Bom inicialmente a idéia era de serem apenas 10 álbuns, mas depois vi que 10 seria muito pouco, passei para 100, aí vi que escrever sobre 100 álbuns seria uma tarefa hercúlea, então fui tentando encontrar um ponto onde eu pudesse retratar essa jornada de forma eficiente e eficaz, até que por fim cheguei a 50 discos, menos que isso seria impossível, mais seria insano. São esses os discos que serão apresentados aqui nesta parte do Blog.

E só pra não perder a oportunidade…


PS³: Se fizesse a pose nº 5 de guitarrista fodão com as pernas abertas e a guitarra na vertical ganhava mais ponto com as meninas… hehehehhe